O problema dos palhaços é que eles aprendem a fazer de palco qualquer metro quadrado.
Cedo descobri que aquilo que sinto depende do que vivo e vejo. O meu problema é que o que vivo e vejo não tem interesse nenhum pra ninguém, a não ser pra mim mesmo que afinal estava lá passando pelo que eu passei. Então decidi escrever sobre os outros ou então por eles, e foi o que me salvou porque tenho a sorte de conviver com pessoas com vidas belíssimas e cheias de conflitos, e eu sou muito fraco e me apaixono por todas essas histórias e nos meus textos eu falo sobre o que elas dizem em mim. Então acabo falando de mim, eu sei, mas pelo menos um pouco menos. Não sei se assim é mais interessante, mas com o que vejo e vivo com o que os outros significativos pra mim viveram e viram, eu me sinto um cara menos tedioso. E o meu lance não é de tomar as dores dos outros. O meu modus operandi é o de cometer um furto dos olhos de todos e olhar a partir deles. Assim eu me enxergo por um outro ângulo e enfim eu acabo me vendo e me acabo de rir... das minhas próprias mazelas. Ridendo castigat mores, dizia o ditado. Ou seja, pela comédia podemos corrigir os maus costumes. Sigo então com esse meu costume: o de fazer das nossas vidas este palco, da minha e dos que nela atuam.
De onde veio esse mau hábito?
No ido ano de 2008, quando eu li pela primeira vez o Cem Anos de Solidão, o Coronel Aureliano
Buendía me
disse, na verdade me mostrou, que textos que alguém escreve pra si mesmo têm – e as palavras são minhas agora – o mesmo valor que galhos secos têm: ou seja: têm
serventia como lenha num braseiro. Aliás, tais textos, como vão escritos no
papel e papel queima muito rápido, mal servem para terminar uma canja. Pois
bem, desde a lição do Coronel Aureliano eu mudei meus hábitos alimentares e venho
usando de mim como ingrediente tal como venho usando o leite em minha atual
dieta. Justifico essa analogia culinária: é que tenho uma leve intolerância à
lactose e ingredientes lácteos me deixam cheio de... bem, digamos que eu viro
um perigoso botijão com defeito.
O
fato é que percebi que, tal como o leite pra mim, escrever para si mesmo deixa
a pessoa toda cheia de si, e no meu caso, todo cheio da minha própria
bioquímica. Dizem que escrever para si mesmo é bom para botar pra fora o que se
tem preso dentro de si. Realmente é isso que acontece. Dá um alívio né?! Mas
quem vai lendo vai sentindo uma coisinha antes do som das palavras. Antes do
som por quê? Porque o nariz vem antes das orelhas. E aquela coisinha vai se acumulando e
vai se acumulando e... e mesmo abrindo as janelas aquilo demora a passar.
Por
isso atualmente só escrevo sobre mim mesmo quando só eu vou ler ou só quando
amigos bem próximos vão ler. Sim, o resto eu prendo não torno público. E
sim, peido sozinho. E sim, meus amigos queridos, naquele dia tinha sido eu.
Engraçado como a intimidade carrega uma dose de desrespeito né. Pois bem, com os
textos que exponho, podem ficar tranquilos, eu tenho o cuidado de não bufar na
cara de ninguém. Para descrever esses textos nem se adequa essas metáforas
fisiológicas.
E
você me pergunta por que eu falei tanto de peido, e pum, e bufa. Não tinha umas
metáforas melhorzinhas não, Umbelino? Justifico: É que eu me sinto um palhaço velho que
já não conta mais piadas, mas que deslinda seus defeitos e assim faz da careta
algo bonito. Sei que é muito feio um palhaço fora do palco, então pelo menos
reservo esse pequeno espaço para mim. Se eu não tivesse aqui, seria até muito
risível, mas não de um jeito gostoso. Portanto, escrevo. Aqui posso brincar. O
meu problema é que às vezes, esclerosado, não tiro o nariz vermelho e esqueço
que não sei contar piada. Então viro a própria.