Tudo
é feito as águas do rio Heráclito... Afinal, o que é permanente nessa vida? O
que me parece fatal e sério agora, passa e perde o valor – cedo ou tarde. Aquilo que trazia medo fica pequeno e some,
simples sombra. Parece que tudo é água que escorre ou seca, poeira sobre a mesa
e um sopro. Há uma terra por sobre onde esse rio corre? Há uma mesa por sobre
onde essa poeira junta? Há isso que sempre esteve e que é apesar de?
Apesar
do nome que lhe deem ou do nome que eu lhe dê... isso que permanece, nisso
posso me apoiar, posso ver, sentir, tocar? E se pergunto é porque não sei o que
é. Sei que é tudo o que não vejo, não sinto e não toco, porque o que vejo e
sinto e toco passa e vai, feito vela pela noite. E isso que parece a terra sob
a água, não sei o que é, mas ainda assim a isto me refiro, buscando palavras
que apenas dizem o que parece ser.
Essa
mesa empoeirada cuja planura não tem forma, porque palavras não poderão
descrevê-la, porque palavras são artifício nosso, porque são fogueiras que
mantemos acesas não deixando de lhes deitar lenha, isso que não posso ver
porque o que vejo vejo com os olhos e fecho os olhos como os abro e as coisas
aparecem e somem e se acendem e se apagam e tudo vai como vem, isso que não
posso sentir porque sentir é tudo que me resta se nada me sobra e ainda assim
esse sentir passa e muda, isso que não posso tocar porque só tenho pele e
tendões e nervos e vísceras, isso é só vazio que circunda e preenche, ponto de onde posso tudo olhar e
ver tudo ir, tudo rodar, tudo escorrer, janela de onde vejo a chuva cair e
evaporar.
Isso
são fogueiras, águas, poeira.
Très bien, mon ami. Texto muito interessante. Isso me lembrou as minhas leituras de Ortega y Gasset. Ele nos explica que em relação ao homem só existe uma coisa permanente: a própria mudança. Esse conjunto de mudanças é a História, é a Vida. Um dos papéis da Poesia é tornar eterno estes pequenos momentos de mudanças, trazer-nos um sentido sobre algo que não tem sentido. A poesia, de modo lírico e reflexivo, nos salva constantemente desse vazio diário. Segundo o poeta Francisco Carvalho: " A poesia não morreu ainda. O homem é que está vivendo aos pedaços." Continue nos presenteando com esses singelos e magníficos aforismos. Charles Ribeiro.
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