31 outubro 2021

não se importam e não pedem perdão

os idiotas não se importam
eles não se incomodam com nada
nada 
que não os próprios calos
os calos desses filhos da puta
os calos destes gritam
encoste neles e tu vai ouvir um puta ai
trisca neles e uma bomba explode
a porra do ego inchado
frágil
ego doente, ego inflamado

os idiotas nos exigem pedir perdão 
por não termos logo avisado 
que eles estavam pisando em nosso pé
os idiotas nos fazem pedir desculpas 
pelo nosso erro 
de termos feito eles errarem

os idiotas nos processam por não termos colocado
um muro muito mais alto 
que os impedisse de invadir o nosso espaço

os idiotas não pedem desculpas
mas as aceitam sempre e desde que as demos em bandejas de prata
junto de nossas cabeças lindamente cortadas
mais um olho da cara e os nossos rins
pelos erros que inevitavelmente acabamos por cometer
pelas condições precárias em que eles nos colocaram
e por suas decisões erradas, que eles jamais tomaram

os idiotas nos julgam fracos por sentirmos a dor 
da dor de cabeça que eles nos dão
e se enraivecem com a nossa indignação 
quando nos tiram a dignidade

os idiotas acham um absurdo não poderem mais 
contar com nossa velha e boa vontade de antigamente
e ficam tristes 
coitados... 
ficam profundamente decepcionados 
conosco... 
ficam tão chateados que chega a doer 
só de ver tamanha frustração 
como é que pode irmão
isso num adulto tão altivo...
é difícil demais pros idiotas quando dizemos não
que não aceitamos suas brutalidades
e pra piorar, não tem jeito
os idiotas se orgulham
de suas idiotices
comemoram-se
e se relembram de um passado que ninguém se lembra
e convenientemente eles se esquecem
e se celebram daquilo que a gente nunca esqueceu

os idiotas nunca se importam
os idiotas nunca pedem perdão
porque a culpa desde o início agora e sempre
sempre foi nossa

assim tão semi

não sinto sono, mas adormeço
e de tão cansado desfaleço
não me sinto afetado, mas perco o sono
e facilmente me aborreço

não sinto raiva
mas não paro de pesar 
e pensar e pesar
e apesar de saber 
tudo o que eu queria ter dito
não falo e não saio 
do não parar de apenas
ficar no querer
mas me calar e não fazer

não me sinto nem 
chateado nem triste 
mas de repente tudo perde 
o cheiro e o gosto 
e pele e carne não sinto 
fico assim semi-
assim tão semi-
sem mim
semiacordado
dormente

Sobre mim, sobre você

Acabou não sendo,
Mas esse poema iria ser sobre mim.

Porque cheguei pra te pedir uma ajuda e tudo o que recebi foram os teus problemas e agora só me resta escrever sobre ti que então tomou todo o tempo das minhas orelhas, já vermelhas, e agora todo o espaço aqui das minhas folhas em branco.

É...
Os meus dilemas não merecem poemas...
Escrever sobre mim é absolutamente trivial.
As soluções que preciso desesperadamente hoje...
Essas têm toooodo o tempo do mundo!

Parabéns:
Receba aí mais um poema sobre você.

21 outubro 2021

O ouriço

Detesto me lembrar de você. Para que me lembrar de você? Por que eu preciso passar essa raiva de saber que já te amei e que você não vale nada. E que eu valia menos ainda pra você... — tudo isso que eu tanto demorei pra ver.

Que asco que eu tenho de adivinhar o teu sorrisinho vitorioso quando souber que eu me sinto assim... Que ódio em pensar que você vai se satisfazer ao saber que eu sou o estrago que você fez... Que eu só fui mais uma moeda a engordar o seu extrato. Que eu fui uma engrenagem — em meio a tantas outras — a acelerar as tuas engenharias.

Você se diverte por ter me deixado assim? Você está achando bom saber que você deixou alguém sentindo por você total desprezo e nojo? Você vem me dizer que “se eu penso tanto em você é porque no fundo eu te dou valor”? Que valor é esse?! Você se orgulha de causar dor em alguém? Que tipo de gente você é que aprecia o sofrimento que causou?

No seu lugar, eu morreria de vergonha. No seu lugar, eu me questionaria sobre todas as minhas atitudes e repensaria o tipo de pessoa que eu estava sendo. Eu assumiria a minha responsabilidade sobre o estrago que fiz sobre o outro e olharia com todo o cuidado o impacto que gero em alguém. Eu me desculparia com toda a humildade que me fosse possível expressar e faria por onde dar alguma reparação. E depois me esforçaria com tudo que tenho à mão para evitar esse tipo de irresponsabilidade se repetir de minha parte. E isso seria o mínimo que eu poderia fazer. O mínimo!

É engraçado como detestar alguém dá um certo gosto quando a gente se pega assim xingando, diminuindo e desprezando essa pessoa... Tem alguma coisa saborosa por nos vermos então, pelo menos assim, acima desse lixo detestado. Dá um certo prazer em cuspir sobre o nome dessa miséria.

Mas chega uma hora que detestar cansa. Xingar, diminuir, desprezar cansa. Cansa sentir raiva. Cansa a repetição desse enjoo. Cansa se lembrar de novo e de novo e de novo do prejuízo, do tempo perdido, do mal sofrido. Cansa se perceber que mais uma vez está se lembrando de tudo isso, mais uma vez.

Ah, mas por que eu não simplesmente esqueço essa merda? Seria tão mais fácil perdoar, deixar pra trás! Mas não.

A mágoa é como um cacto-ouriço que você me enfiou no bolso da calça e perfurou toda minha perna, encheu minha roupa de espinhos e ainda as minhas mãos quando eu tentei tirar o próprio ouriço do bolso e tive que pinçar cada um, um a um, todos os outros espinhos espalhados: tanto da perna quanto das pontas dos dedos e de cada outra parte do corpo onde esse cacto encostou. E depois de tudo isso, o cacto ainda fica de herança, se não mais para levar no bolso, que é insuportável, levar na bolsa. E depois, ao se livrar dessa bolsa e assim finalmente do cacto, ainda fica a lembrança.

A lembrança da dor dos espinhos e do trabalho de catar um a um, a raiva de saber que foi tanto tempo perdido nisso, do sangue diluído em lágrimas, das feridas que ficaram, das infecções que aparecerem e tiveram que ser tratadas, as inflamações que se espalharam... Essas lembranças! E depois que toda essa parte que dói ter diminuído... vem as coceiras e hipersensibilidades das cicatrizes.... os cuidados para essas áreas não serem feridas de novo e tudo o que a gente gasta de esforço, tempo e até dinheiro para fazer isso sarar logo e essa merda toda nunca mais acontecer de novo.

E o quanto cansamos também os outros ao nosso redor. A paciência e persistência que eles têm de ter conosco até essa nossa dor passar... antes que o amor deles acabe.

É... não se detesta alguém tanto assim à toa... E saber disso não deixa tudo isso menos cansativo. Se eu penso em você, ainda, depois de tanto tempo, é porque um dia já te dei muito, realmente, muito valor. Um dia... mas já se foi. A partir de hoje, eu sou o teu ouriço.

17 outubro 2021

Teu podium

Sorria, deleite-se, aproveite.
Sobe no podium podre das tuas irresponsabilidades.
Bebe esse champagne aqui, oh primeiro lugar!, o lugar mais alto é todo teu!
Ninguém te dirá... mas a taça da tua vitória está cheia do escarro de todos nós que você tragou.

Sirva-se bem, se empanturre e se engasgue sozinho
Nesse jantar de comemoração de todo o nosso desprezo.
Se você enxergasse alguma coisa além do teu próprio umbigo, veria que todo mundo sai da tua festa um pouco mais cedo, sempre com uma desculpa esfarrapada, cansados e com um sorriso amarelo.

E tu fica aí crente que estava cercado de "amigos" - como você tanto nos chamava...
Tadinho... tão solitário...
Na verdade não passa de um tolo que tivemos de tolerar por muitas tardes... 
E que saímos de perto, antes que fosse muito tarde.
Admirado? Sim. 
Mas só por aqueles que ainda não te conheceram de perto.


16 outubro 2021

O teu passa tempo

Fale, calcule, especule.
Eu deixo você brincar 
Com esse quebra-cabeça que eu sou.
Tente entender, saber e adivinhar
Como nos seus moldes eu me encaixo. 

Paciente e irônico eu vou me sentar, relaxar e ver 
Você frustradamente enxergar
Como minhas bordas curvas nas suas peças quadradas nunca se encaixam.

E eu vou rir quando você se irritar
Ao perceber que de mim se ocupou
Quando o que você só sabe fazer 
E sentir prazer... é quando você de si se ocupa. 
E você vai se perguntar o por quê... de tanto estar em mim pensando.
E pensando...
E pensando...

Logo em mim que sou um apenas nada.
Logo eu que não passo de uma peça 
Nos seus joguinhos de damas, memórias e palavras cruzadas.
Logo eu que não te valho porcaria nenhuma
E sou toda essa sua preciosa perda de tempo.


07 agosto 2021

Prece

me cura da minha miopia
me faz ver o feio, o falso e os cadafalsos
me cura desse olfato fraco
me deixa sentir de longe o chorume, as chorumelas e os chauvinismos
me cura do mau do bem

me livra da prisão do bom samaritano
de viver se fudendo, de viver se doando
me ensina a ser vilão com quem merece
e a prestar atenção ao que adoece
me livra da cabeça baixa
fortalece meu olhar feroz
agiliza a minha língua
pra uma resposta rápida 
contra o debochado arrogante
fortifica a minha voz
pra minha fala sair atroz
quando a justiça pede

que eu cale aqueles que não sabem a hora de calar
que eu ouça aqueles que sabem a hora de ouvir

tu me ensinou que o bem tem um limite:
o bem acaba onde começa a fazer mal.
então livrai-me do mal do bem

27 julho 2021

Dormir e esquecer

Ela é a mãe dos pesadelos sonhados
 - desses que a gente acordado sonha  - 
e é filha dos pesadelos vividos
- desses que a gente sonha nunca viver
mas vive,
deles não acorda
e de olhos primeiro vidrados e depois baquiados não para de ver.

Ela de nós não se cansa 
e de cima nem de dentro não sai,
mesmo a gente dizendo pra ela ir embora 
porque já não aguentamos mais

e só duas simples coisas queremos:
dormir e esquecer
dormir e esquecer
dormir e esquecer.

Ela é surda e não para de falar
de falar e repetir
de repetir e remoer
de remoer e ruminar
de ruminar e relembrar
daquele lugar e daquele momento que já estamos 
exaustos, enjoados e viciados em revisitar:
os nós em nós mesmos, 
as derrotas, os defeitos, os desejos, 
os despejos e foras levados, 
os orgulhos idiotas e defensivos, 
as ratadas, as patadas e covardias,
os socos que queria ter dado,
e todos os chutes e tapas, 
empurrões e rasteiras recebidos 
alguns com juros e outros tantos gratuitamente

Ela não se cansa de nos cansar e sugar e caçar 
sempre atrás, sempre aqui, sem sair
nem de cima, nem de trás, nem de dentro, 
sem deixar que façamos duas coisas tão simples e tão naturais 
que deveria ser crime ela não nos deixar
dormir e esquecer
dormir e esquecer
dormir e esquecer
só isso, pelo menos isso, 
nada mais do que isso: 
dormir e esquecer...


12 julho 2021

Os girassóis já morreram

Os girassóis já morreram

Já não mais giram 

E o sol de leste a oeste segue.


As sementes pelo solo se espalharam.

A chuva um dia vem.


Antes de morrer, semearam.

Viverão.

11 janeiro 2021

Estupor

Você sabe:
Não estou imune a seus efeitos:
Brinquedos pútridos cheirando a gala

Há tanto tempo que eu trafego
Com essas blindagens grossas feitas de não:
(“Não há mal nenhum”; “Não passa de uma brincadeira”; “Não estou te usando”)
Não preciso de ajuda

Há tanto peso que eu desprezo:
O teu estupro sobre minha pequena boca
(Reforçada a calar, afinal, é feio falar de boca cheia...)
E o meu estupor sob minhas largas retinas serradas
Vertendo hemorragia sob minhas pálpebras em comportas cerradas

O que me deixou por tantos anos largado
Alargado tateando solo uma solução:
A dissolução dos teus efeitos, do que trafego e do que desprezo.
E eu sei:
Você não está imune à minha causa.
Você sabe e eu sei.