27 agosto 2022

bota pra fora, bora pra cima

Arte é vida...
 
bota pra fora
bora pra cima
bota pra fora
bora pra cima
bota pra fora
bora pra cimaaaaaaa

não vou aceitar mais qualquer merdaaaaaaa
eu tomei as rédeas da minha vidaaaaaaaaa
razão e paixão aprendi a domaaaaaar

bota pra fora 
bora pra cima 

já sei o que eu quero
meu plano é muito certo
deixo pra trás
todo aquele deserto

bota pra fora
bora pra cima
bota pra fora
bora pra cima
bota pra fora
bora pra cimaaaaaaa

recomeçar, conversar com a realidade é reagir. reagir, reagir, reagir e não cair. vou subir, vou subir as escadas que um dia eu desci... meu novo dia não é amanhã, meu novo dia é hoje, meu novo tempo é agora, a hora de recomeçar, um novo giro na espiral da vida. aprendi o que tinha de aprender com as minhas feridas....

bota pra fora 
bora pra cima 
vamos juntos 
porque
Arte é vida...

Autoria: Zé Umbs e Anilson Atlantis 

23 agosto 2022

sobre o poder de tornar a dor em poder

senta aqui do meu lado menina flor
escuta essa moça velha e abusada 
de ventre e de mãos calejadas

vou te ensinar o poder
de tornar a dor em poder
e poder sentir a dor
sem se desfazer em lágrimas

esse teu mar salgado
represado
em teu peito lindo e cheio de vida
cujas águas sempre chovem de baixo pra cima
formando rios 
sob teus olhos de esmeralda
da cor do mar
esse teu mar salgado
tu irá verter não só para os teus olhos já cansados
mas também para tuas mãos e lábios
com ondas fortes
levantadas
com a tua respiração

inspira...
um, dois, três, quatro
cinco, seis, sete
segura
o que grita no teu coração
expira...
sete, seis, cinco, quatro
três, dois, um
grita o que sussurra na tua cabeça
fala, expõe, descreve, conta
narra tudo aquilo que no fundo do mar se passa
inspira
sete, seis, cinco
quatro, três, dois
um...

vou te ensinar, criança
o poder de tornar a dor em poder

fazer o que tu quer fazer
dizer o que tu precisa dizer
amar quem tu deseja amar
desprezar quem te ensinou desprezar
negar quando tu sente negar
cantar como tu se ouve cantar

ser quem tu ama ser

e pra casa do caralho mandar
aqueles
e pros sete infernos amaldiçoar
aqueles
aqueles que não vierem a te respeitar

tu não aceitarás menos que o melhor
tu não irá tolerar menos que o máximo
e ai daquele que não te for impecável
por cometer o pecado de incomodar
a deusa dengosa que cochila dentro de ti

o teu corpo será um altar
onde só se pisa de pés muito limpos e descalços
onde apenas se toca de mãos lavadas e unhas cortadas
onde se olha com calma cada lindo detalhe
e se ouve calado o som do órgão potente e afinado 
que se encaixa na tua caixa torácica
onde se agradece sete vezes 
por poder se aproximar
e sete vezes agradece 
ao se despedir

o teu corpo é o teu altar
feito de couro, carne, vísceras e ossada
regado pelo vermelho rubi líquido 
que foi da tua mãe herdado, e que ela herdou da tua avó, 
que herdou da mãe dela, 
que herdou de todas as outras antecessoras
que já se foram sem deixar testamento
mas mostram na tua pele um testemunho
para que teu corpo seja iluminado 
a consagrar o que há em ti de mais sagrado:
que é o teu sopro, o teu hálito, 
a tua saliva, teu suor e feminino transudato

bem aventurados aqueles que tu permitirá
nesse solo de barros santos
poder comungar
pois tu terá aprendido
a transmutar 
a dor em poder

de uma velha amarga às marias moças angelicais

já fui como tu
maria moça
de lindos seios, de vasto ventre e de longas asas
ao mesmo tempo um tanto insegura
ao mesmo tempo bastante ousada

olho pra trás e hoje eu vejo
que já sou uma andarilha antiga das estradas
rompi 10.000 chinelas de tantas e tantas caminhadas
e já perdi as contas 
de quantas vezes cruzei 
as quatro pontas
das encruzilhadas
ouve essa velha amarga
me chamo Lua Nova das Nove Almas

sua eleuteromania é a sua aliada
ela diz "adeus criança..."
para essa coisinha trouxa
que tem essa carinha de bonzinha
mas é a sua carrasca

abraça a tua amiga quando ela chegar em casa
prepara o banho, a mesa e a cama pra liberdade
pois ela andou 10.000 léguas e já chegou
toda suada, morrendo de fome e muito cansada

despeça a tua carrasca quando ela fizer em ti morada
aponta a porta da rua à essa chata acomodada
apenas seja hospitaleira com quem sabe ser hóspede

teu ansioso anseio por solitude
te movimenta pro que te importa
pro correto esforço de uma correta atitude

mas tua insegura aspiração por segurança
só te segura sozinha por trás da porta
e te deixa respirando poeira atrás de mil desculpas

seja livre
mas também não seja burra
seja bruta
mas também não seja estúpida
seja lúcida
mas também não seja sem graça
seja acessível
mas jamais seja de graça

seja você mesma
e trate a si mesma
como quem trata
a sua melhor aliada

21 agosto 2022

olha quanta força que eu faço

olha quanta força que eu faço
pra não me ver sozinho
um eterno estranho no ninho
vagando semialeatório pelo espaço

eu me desfaço, me dispo e me despeço
seminu, semicru, semiológico me despedaço
em ilogicidades 
que se não fosse esse poço no peito
eu não as faria

mas foda-se
porque eu sei que de um jeito ou de outro
e de outras formas eu já fazia
foda-se porque eu carrego um Sol atrás dos olhos
iluminando muitas gravitações 

vai ver o meu vagar não é tão à toa assim
e talvez tudo gire com algum sentido
e quem sabe tudo não passe
de só um perpétuo vai e vem

mas aí eu me pergunto se essa rota
tão torta
se é eu indo ou voltando
se esse caminho é um rumo 
ao horizonte ou um beco sem saída
se é uma estrada no prumo 
da ida ou da volta

sozinho e confuso

expulsem essa minha perpétua inquilina

estou afundando aos poucos num buraco
que eu já conheci o fundo
e do qual eu já sai e não tenho saudade nenhuma
nenhuma
porém me sinto entorpecido 
sem ter tomado droga alguma

não consigo mais sorrir sozinho
eu tento até esticar os lábios horizontalmente
e mostrar os dentes
mas me é estranho esse alegrinho esforçado, forçoso e montado

a quem estou conectado?
só a mim mesmo?
por que esse vazio aqui?

no peito eu sinto bem direitinho... essa solidão
ela nunca esteve tão nítida assim...
e noto bem que ela não está como uma visita
não é uma estranha nem gente nova
como quem é de fora e que chega agora
mas a sinto como velha conhecida
gente da família, prima, amiga de infância
minha perpétua inquilina 

uma invasora que me enche com um enorme buraco
e me mata de fome de contato
mas parece que todo mundo teme se aproximar e ser tragado
e acabo eu no cantinho, encolhido, fechado

me olhem
eu só quero que me vejam
eu não sou desses que gosta de aparecer
mas não suporto passar despercebido

me escutem
eu só quero que me ouçam
eu não sou desses que faz questão de dar a última palavra
mas não aguento entrar mudo e sair calado

do sabor doce da tristeza eu já enjoei
pelo menos então me tragam agora 
o amargo seco da decepção
já até prefiro estar mal acompanhado
do que assim tão bem acompanhado 
por esta senhora velha solidão

solidão é esta sala vazia
fria e sem um pingo de umidade
onde minha própria voz ecoa
sem nenhuma humanidade
onde me vejo nu já azul de gelo 
os pés e mãos pretos
prestes a necrosar
e com uma sede na boca toda rachada
a língua áspera, seca e pegada
tão travada que mal dá para abrir a boca 
pra implorar por ao menos meio copo d'água

sala escura, vento gelado
e num esforço por um milagre grito
mas a voz não sai
me mexo mas o corpo não se move
ouço a todos e ninguém me escuta
vejo a todos e ninguém me enxerga
e nada tem cheiro de nada

inquilino eu na casa dela
de teto baixo claustro apertado
e de paredes desmedidas
num contrato vitalício
dessa perpétua inquilina

um terror numa tarde de domingo (sobre coisas que matam o amor)

fica mais um pouco
já coloquei a água no fogo
vou te passar um café

fica mais um pouco, é cedo
você não precisa ir agora
com tanta coisa pra gente ainda 
com tanta coisa pra gente viver

fica mais... só um pouco mais
vou colocar uma música pra tocar
todas aquelas dos dias bons 
que sempre tivemos

fica sim...
coloquei até um leite pra ferver
tem pão quentinho na mesa te esperando
tem toalha nova se quiser tomar um banho
tem lençol cheiroso dobrado na cama

fica só mais um pouco
pelo menos por hoje
amanhã a gente continua
pra viver um dia lindo de novo
tudo bem a tua solidão
mas fica sim...
fica mais um pouco

instruções para um bom uso do teu facão

vou te dar uma ideia que recomendo fortemente que ponha em prática:

pega o facão que tu usou para cutilar minhas irmãs
então o pousa sobre a mesa à tua frente, assim à mão
baixa então as tuas calças
cospe na tua mão não dominante (tanto faz se tu é canhoto ou destro)
e te excita pra que esse teu pau se projete para frente
e assim fique mais fácil e preciso o serviço
e não tenha perigo de tu errar o golpe
que farás em seguida rápido e sem pensar

e te ordeno que não desmaie
não antes de tu por a peça à boca 
e a engula num movimento compulsivo
de um só gole
e eu fico aqui na torcida, rezando para que tu se engasgue
e se sufoque com tua própria carne imunda

por todas nós...
.
.
.
.
e se não for suficiente...
por que o senhor não cata esse revólver
que tão bem forjou
e enfia uma bala na tua própria têmpora?


terror em noite de quarta-feira (das coisas que matam o amor)

teus braços inertes e corpo frio
boca espumada, os olhos fechados
fechados e pesados 
pesados de um sono químico
para o qual tu foi e esqueceu de voltar

o meu terror gritando dentro do meu peito
e eu só... 
em um só dia
vertendo todas as lágrimas previstas para uma vida inteira
querendo chamar teu nome e querendo te mandar acordar
mas sabendo que não... nada adiantaria

e o medo mais mesquinho de o que irão de mim pensar
e acusações de eu ser uma má companhia
e as justificativas que eu iria dar
e a raiva de mim mesmo por cogitar tais vaidades 
em hora tão trágica, tão desoladora e tão inconsolável
e horrivelmente insubstituível
o meu maior medo e maior perda realizada...
pesadelo vivo vivenciado

o vazio
o silêncio
o buraco
o implodido
o desmoronado
o irreparável
o inenarrável 
ato
teu abandono derradeiro
e o meu amor destruído de ficar no ponto dos mais finos estilhaços

um bom inimigo sabe fazer favores

cala tua boca, passarinho
não cansou ainda de ser tão feito de trouxa?

ouve este aqui que já foi rei, juiz e capitão
e que já lidou com todo tipo de filho da puta mentiroso e aproveitador
e que de tudo isso já se cansou 
e resolveu virar mendigo de esquina
que já afundou no mais profundo abismo
do próprio coração
e do fundo do mais fundo poço obscuro
voltou com um pequeno espelho na mão

cala a boca e guarda teus planos só pros teus aliados
e saiba que mesmo pra eles existe a hora certa de falar

tu acha que só porque alguém te fez uma gentileza 
então passa a ser agora a tua melhor amiga?
tu acha que só porque alguém te ajudou com qualquer coisa
então passa a ser automaticamente o teu irmão?
eu te digo: não...
a confiança é uma planta que cresce lenta

um bom inimigo sabe fazer favores
sabe por quê?
pra te manter por perto e sob controle
 
favor e gentileza é a linguagem das dívidas
e a gente quer os nossos inimigos comendo na nossa mão
favor e gentileza te fazem baixar a guarda
e a gente quer os nossos desafetos sem qualquer escudo
favor e gentileza te fazem guardar as armas
e a gente quer os nossos atacantes em desvantagem

tu é esse passarinho cantor
raro e livre, lindo e colorido
que alguém adoraria colocar numa gaiola
e te ensinar a chamar de abrigo

fecha o teu bico, passarinho
o teu assobio é uma pérola sonora
que tu insiste em presentear aos porcos
que recebem a tua doação com um sorriso babento
e quando tu dá as costas, jogam teu nome na lama
onde comem e cagam tudo ao mesmo tempo

por isso eu te digo
saiba reconhecer onde é o teu verdadeiro ninho

já disse, não insista, eu não sei mentir

I

senta aqui na minha frente 
sua criaturinha mais fofa
que eu queria que não fosse tão boba

a Imensidão te deu dois ouvidos
e ainda essas duas joias muito lindinhas que a gente chama de seus olhos
foi pra você muito bem usá-las

por isso agora feche bem essa sua boquinha deliciosa 
que eu tão bem conheço 
e ouve esse jogador aposentado 
que já se cansou de rodar por muitos cassinos

eu não sei mentir.
 
a mentira foi a arma inventada por quem foi dona de casa 
escravizada
e eu não sou mulher
muito menos quero comigo uma que seja do lar, bela e recatada
que é no fim das contas uma putinha desgraçada
com a coleira no pescoço
embora tenha as duas mãos livres 
e hábeis para se soltar

mas são mãozinhas que usa tão delicada...
pra masturbar um barrigudo acomodado
que não gosta de tomar banho
que não sabe fritar um ovo
nem ao menos lavar um prato
um bebezão incestuoso 
que não quer só a sua buceta molhada
mas principalmente continuar a ser amamentado

por isso eu digo que sou grato pelo privilégio 
de não ser fêmea nesse mundo macho
eu adoro o meu caralho brilhante, liso e veiudo

sou um eleuteromaníaco
navegante perpétuo
familiar das tempestades cerebrais
no futuro, no presente e no passado 

e prefiro morrer sendo chamado de estúpido
a ter meu orgulho masculino sequestrado 
ficando para sempre atracado no teu cais

eu sei que isso dói
mas eu não sei mentir
e sei que o que não mata
fortalece

igual os tapas que eu te dei na bunda
enquanto te pegava de quatro
e você gemia gostosa dizendo ai...
e se assustava consigo mesma 
por estar querendo mais...

a verdade dói? 
dói
mas só dói no começo

II

meus pés eu piso liso na áspera areia
só saio de casa sem meias
porque de casa eu não levo nada:
nem meias palavras
nem meias verdades

sou direto, indiscreto
duro e rápido

não sei jogar pôquer nem xadrez
se ponho as cartas na mesa:
só Damas ou Reis,
ou Ás
e meus peões não se matam
por uma rainha que vem logo atrás

III

já disse, não insista
eu não sei mentir!
meu estilo não é o do blefe
meu estilo é o do corte reto, 
veloz e silente

por isso não queira me ver um dia 
falando alto e muito menos aos gritos
o meu raio tem três pontas
é a arma que eu guardo sereno
pra arrancar de uma só vez 
o coração, o pulmão e o fígado dos meus inimigos

eu consigo ser absolutamente destrutivo
impecável, impiedoso e impassível
mas se tal dia de fúria estiver escrito 
pra no teu tempo ser visto...
saiba que você, criança boba, você não me verá
nem nesse dia
nem para sempre
mas encontrará por acaso na sua bolsinha
dois espelhos esquecidos
um para cada joia que tu carrega nesse teu crânio feminino


mergulhar de cabeça no raso

limpa os ouvidos e me escuta, criança... 
que parece que tá aprendendo a não ser mais tão trouxa

não adianta querer mergulhar de cabeça no raso
você já sabe no que vai dar
e sabe 
que ela não vai te dar 
e até que vai sim... dar...
uma puta dor de cabeça
sabe por quê?

no fundo dessa xoxota molhada, linda e brilhante
não tem um macio banco de areia...
tem sim pedras esperando a sua testa

no raso até que é bom pra algumas coisas
no raso a gente corre, pula e brinca
no raso, a gente dança chutando águas pro ar
os dois se molhando mais de sol e de sal do que de mar
e isso é mal? não... 

mal aventurados são aqueles que não sabem como apreciar uma leve e despreocupada gozada ao som das ondas
o sol ardendo a pino...
os dois ardendo sob uma sombra qualquer...
quem sabe de uma barraquinha esquecida...
os joelhos empanados de areia...
a boceta empapada de desejo...
o cacete latejando pelos beijos...
talvez um ou outro transeunte 
espantado por aqueles tesouros
brilhando de brincar
de vaca e de touro
naquela praia que deveria ser deserta

por isso ouve aqui esse marinheiro cansado
minha criança trouxa
uma coisa é certa:
realmente o raso não presta pra mergulhar de cabeça
mas isso depende de qual cabeça
e de onde
vocês vão querer mergulhar

só e sem dó, só um velho marinheiro

em que dia você está?
e em qual dia você estará quando a gente se encontrar?
será seu dia de sim?
ou talvez... será?
seu dia de não?

também sou desses que nem sempre está com um sim pronto e fácil...
lembra que sou só... 
marinheiro só
só e sem dó
só um velho marinheiro

arrogante, rancoroso, teimoso e obsceno
de uma paciência já gasta 
e de muitos nãos engatilhados no fuzil
na cintura levo um florete afiado
para finos e feridos foras
sou mestre no ágil corte
e levo à frente uma lamparina forte 
pro fogo e a luz cauterizar

mas também levo flores 
de cores doces e sabores coloridos
belezas que escondo sob o manto 
que dou de presente a quem merece um beijinho 
e um afago aonde está dolorido 
e ofereço meu abraço quente 
a quem merece o meu abrigo

e assim sou só 
marinheiro só
apenas um velho marinheiro
a quem comigo navegar
eu só desejo boa sorte 
e que lhe sobrevenha
no seu devido tempo
uma boa morte

saiba que a Dama Sorte é amiga do Preparo
por isso eu não paro 
de me preparar 
e te convido a fazer o mesmo 
se quiser partir rumo à Ventura 
o mar é revolto, mas nosso barco é sólido
e a tripulação é valente

nossa família de feras noturnas
que nunca vamos a cabeça abaixar
e sim baixamos e saudamos
apenas a quem manda nessa porra toda chamada Imensidão

sabendo disso
pode embarcar se tiver coragem
e humildade 
de ouvir este capitão
pode vir 
que o tesouro aguarda na sombra de um novo luar

16 agosto 2022

me despeço do meu velho irmão cínico

I
vem aqui seu cretino
eu falo contigo
chegou o teu dia
acabou-se faz muito tempo minha paciência
essa preciosidade que eu nem sabia que tinha
essa pérola que eu te dei só pra tu cagar em cima
agora aguenta caladinho seu macho menino
vou te dizer uma coisa

chegou o dia de receber a paga de ser o rei da porra toda
e tu vai sofrer moleque medroso
vai sofrer porque vai sofrer as consequências
vai sofrer porque vão emergir as evidências
vai sofrer porque vai receber de volta o que deu
vai sofrer pois vai colher o que enfiou na terra
vai sofrer porque as cagadas que fez adubou o caminho por onde passou

e as tuas semeaduras irão frutificar frutas muito amargas
porque foram regadas com 10.000 lágrimas de vergonha e mágoa
vai sofrer porque esse é o movimento natural das coisas
e vai sofrer sozinho...
vai sofrer sozinho...
sozinho...
porque não soube cuidar de nenhum amigo...
e vai sofrer...
vai sofrer sozinho...
sozinho...

e eu só espero que tenha a força de resistir ao impulso crítico
e tu suporte o teu próprio peso e não desista
e aprenda a principal coisa que o fundo do poço ensina


II

uma coisa é certa
tu vai se acabar
por ti mesmo
doente de si mesmo
viciado nas tuas mesmíssimas mesmidades
egoísticas
de quem passou
todo o tempo do tempo do todo
num eterno retorno
na dança da cobra que engole a própria calda
em constante metamorfose...
mas só da capa!

você pregava que assim de nós se alimentava
todo o tempo o tempo todo
para poder nos libertar
libertar... de quem? se era tu o predador
se nos teus volteios de palavras tu não passava
da besta tóxica e insaciável de almas
que de tanto devorar só crescia
e nem em si mesma não mais cabia

mas come sim fera, incha
irá chegar o dia que tu vai se autodestruir 
implodida pelas tuas mentiras

III
ah a ironia da existência...
a eterna ironia de quem detesta é retornar sempre ao que tanto despreza...

a ironia das espirais do espaço-tempo me retornará a ser eu quem vai ter que te buscar...
e lá irei eu queimando uma chama negra de revolta
mas resoluta no meu compromisso com a Imensidão
de engolir o meu orgulho pra te dar a mão
está escrito
o que vou dizer agora acontece, aconteceu, acontecerá
isso hoje, isso ontem, isso amanhã:

te olhar a cara inchada e te estender minha mão calejada
e como dói sentir em mim tão aversivo toque...
nojo de pegar nesse bosta coitado que agora não tem ninguém

e eu te puxar apontando uma rota para fora
eu te tirar do fundo do poço que tu mesmo cavou
eu xingando e reclamando de tão imundo trabalho
pelo simples fato de mais uma vez estar perto de ti

e eu a detestar ser a última face que tu viu ao vislumbrar as sombras lá de baixo
logo a minha face toda feita de breu e mágoa
a refletir tudo aquilo que tu sempre se recusou a ver

mas me resigno e mesmo te amaldiçoando te levanto
pois eu sei que sou uma ínfima ferramenta na Imensidão...
sou um espelho preto e todo rachado
refletindo tudo aquilo que você, seu velho egoísta e ingrato
que se acha demais todo cheio dos direitos
só porque nasceu com um caralho pra fora no meio das pernas
grande merda
moleque menino machinho mimado
que esconde a cara de medo por trás da barba
que não aguenta ficar uma noite no escuro sozinho

sou o espelho preto que tu não quis ver os riscos que fez
e então se esqueceu, mas que continuam lá
eu vou te falar:
as marcas que tu deixou em mim e em todas nós
tu diz que é problema nosso
sempre arrotou esse ditado como se fosse uma lei da natureza e não tivesse sido inventada:
"o que importa antes de tudo não é o que fizeram com você, mas o que você vai fazer com o que fizeram com você"

o velho que amava dizer isso era um safado que não se importava com nada
se não com o cafezinho que ia ser servido pela sua escravizada
e ele pra não sentir a culpa da mágoa
jogou toda a carga nas costas da desgraçada
como se ele nunca tivesse feito nada
um cínico filho da puta tão fraco que não aguenta sentir a vergonha
das suas próprias cagadas
eu te pergunto seu moleque:
O QUE É QUE VOCÊ VAI FAZER COM O QUE VOCÊ FEZ COM TODAS NÓS?
O QUE É QUE VOCÊ VAI FAZER COM O QUE NÓS VAMOS FAZER CONTIGO?

mas tudo isso acaba sendo muito engraçado...

às vezes eu acho que o poço fundo onde tu foi cair acabou sendo o teu refúgio...
tu não tropeçou e caiu... tu se jogou desesperado, despreparado
SEM SABER O QUE FAZER COM O QUE VOCÊ MESMO FEZ CONSIGO!
essa toca escura e solitária não passou de um esconderijo...

eu sempre soube que a nossa Luz é o teu pior veneno...
na luz eu e você enxergamos essa tua cara desgastada
toda cheia de rugas e de terrores infantis...


IV
vem... vem cá seu desgraçado, infeliz, seu lixo...
vem... pega minha mão, o caminho é por ali...
o monturo que vamos chamar de casa é menos pior do que esse poço solitário...
pelo menos no lixão há outros porcos como você...
pelo menos lá tu estará em companhia de semelhantes

agora vai embora! vai... vai comer carniça e restos seu cuzão!
te junta aos teus nessa montanha de porcaria onde tu aprendeu a escalar e caminhar!
te alimenta de sobras...
nutre esse teu buxo inchado minimamente...

chegará o dia então do teu renascer...
será quando tu irá se lembrar do que tu fez
e vai se questionar o por quê de tamanha estupidez

nesse dia eu espero estar bem longe
muito longe
tão longe
eu já tão distante num belo horizonte
que não vai fazer o menor sentido eu olhar para trás
tu não será nem mesmo um pontinho turvo na paisagem
nem isso, nem nada
tu será uma pedra que eu esqueci na estrada
tu perderá o sentido, não irá ser porcaria nenhuma
um espirro que dei, uma tosse qualquer
uma dor de barriga que me ensinou sobre o que tenho alergia


V
hoje eu tenho a alegria da passagem
do passado passado
do futuro construído
do presente contínuo e amado

cruzei 10.000 encruzilhadas
dobrei 40.000 esquinas
atravessei 160.000 margens
fazendo aquilo que faço de melhor
que é buscar de volta os perdidos como você
que eu já nem lembro mais o nome
que já relevo por tudo que fizeste
pois no final, agora, ser tão irrelevante

saiba de um fato:
quando chegar teu dia de precisar de mim e me buscar
estarei tão ocupada e tão bem ocupada e preenchida
que tu receberá minha dispensa por um mensageiro

e tudo isso aqui narrado
é
já foi, vai ser, já havia sido
tudo isso
assim seja
porque de você já chega
de você já estou, já fui e já estarei mais do que enjoada
e lembra:
tudo no cosmos morre
inclusive eu e você

olhar pra trás

eu disse lá atrás:

"Olhar para trás.Nossa história se reconta a cada nova experiência,
Encontros, atropelos, sorrisos ou mal-entendidos...
E o passado se remonta
Às vezes com desprezo
Às vezes com desvelo e desejo

Às vezes eu vejo que olhar para trás não passa de uma miragem."

olhar pra trás o tempo todo nos impede de ver o todo
cansei de olhar pra trás
meu pescoço já dói
e me faz perder a paisagem do caminho hoje
e me faz me desnortear

hoje eu só quero olhar para o meu belo horizonte lindo
minhas raízes barrocas, meus morros de altos e baixos
com Arte de cima abaixo, sol na cara, vento frio
ouro, minas, cidades de seres divinos
pedras moldáveis, sabão, cheiro bão
pão de queijo, caldo de cana, pé de moleque
feijoada, feijão tropeiro, torresmo, biscoito de polvilho
tudo feito no lume da lenha e da boa fumaça
lareira que na noite aquece a casa

olhar pra trás assim eu quero
meu passado me consagra
minhas raízes barrocas
minha primeira casa

ainda mais agora que eu posso
macaco velho tomar uma
velha e boa e suave e cheirosa
caninha destilada

08 agosto 2022

dois animais refazendo a cosmogonia

nós vamos fazer um simulado
de como o mundo humano foi criado
eu de joelhos
e você de quatro
um atrás do outro
como passam as fases da Lua
e como corre o Sol atravessando da margem direita à margem esquerda
das veredas das nossas vidas
as sombras virando da esquerda à direita das nossas almas

nós vamos fazer um simulado
de como o mundo humano foi criado
eu de joelhos e você de quatro

as minhas mãos nos seus cabelos
a minha cintura se chocando contra
os seus quartos
os nossos gemidos e rosnados ecoando
por todos os cantos e por todos os lados

três dias sem dormir
três noites acordados
um dia de descanso
uma noite dormindo abraçados
acordando pulsantes
com
pene
trados

e assim vamos dançando 
ao som dessa puta harmonia
de refazer a cosmogonia
de como o mundo humano foi cocriado
pelas engrenagens bioquímicas
de um pênis somado com uma vagina

05 agosto 2022

você não sabe o tamanho da vela

I
acende a chama, criança
(que de trouxa só tem a cara -- e isso é ótimo)
acende sim
faz queimar essa velinha
(que de pequena só tem a cara -- e isso é uma maravilha)

deixa esse fogo arder
porque
você não sabe o tamanho da vela

o que há de mal em o amor chegar no fim?
vocês sobrevivem!
fila que anda
próximo!

ahhh o medo do fim...
olha só isso...
essa juventude tão sempre valente e agora assim
com medo do fim...

ouve esse velho aqui, vou te falar

é ridículo o indivíduo nem começar a amar alguém porque tá com medo de sentir tudo aquilo que vai doer quando essa vela se apagar
a semente ainda tá no útero e ele pensando no velório e no testamento

entende uma coisa, criança que resiste... 

se essa merda dói assim pra caralho é porque você amou feito um jumento!
tô te vendo remoer um lamento 
que tu nem sabe se existe

ahhh o medo do fim...
pra puta que pariu com o medo do fim!
deixa essa vela queimar
vou repetir:
você não sabe o tamanho da vela! 

medo de morrer é medo de respirar 
e de beijar as bocas que vierem até a ti

não tô te chamando pra guerra
nem pra morrer numa batalha de outrem
tô te chamando pro presente
pra enxergar o que tem na tua frente
e então simplesmente
e com todo o teu corpo
viver disso
viver isso

e vai
vai sem medo do abismo
pois os falsos e os cadafalsos não são, no fim das contas, os teus inimigos
e no fim das contas
tu a eles agradece 

como tu me agradece quando te deixo tropeçar 
e logo te estendo a mão rindo da tua desgraça
porque eu sei que a cada queda
tu vai deixando de ser aquela criança trouxa
(que tu não é mais, não é mais, nunca mais)

II

deixa a vela acesa
deixa ela queimar sozinha
chama quem te chama
beija quem te beija
ama quem te ama

destrata quem te destrata
despreza quem te despreza
não chama mais quem não vem e arde junto 
enquanto tu chama

eles e elas virão se ou quando eles e elas se interessarem
aí sim tu vai avaliar se o interesse deles e delas
então te interessa também
caso sim, venham
caso não, tchau

assim aprenderão contigo:
a perda de uma oportunidade ensina que aquilo era A Oportunidade
tanto é que agora já era...
eles e elas é quem perderam
tchau. quem sabe na próxima? talvez.

o que vai acontecer se você disser:
"sim, agora já era"
"passou a vontade de comer isso"
"não tô mais a fim de comer você"
o que será que vai acontecer?

a gente já sabe que inveja não mata, então
saiba que ninguém morre de frustração
se frustração matasse, ninguém passava dos 15 anos de idade 

III

ouve esse animal aqui já grisalho e sem paciência pra brincadeiras de criança:

um lobo que não é bobo não perde tempo
nem com chapeuzinho vermelho
nem com três porquinhos
nem com perdidas e geladas e dormentes brancas brancas de neve

por trás duma carinha bonita
e de um sorrisinho simpático
essas mariazinhas se comprazem com o prazer de te ver se cansando à toa
correndo atrás das migalhas que vão soltando atrás de si mesmas

como ovelhinhas cagando bolinhas pela estrada seca
te fazendo assim brincar de caçador e presa
farejando não o perfume de seus corpos deliciosos
mas as merdinhas que te deixam pelas encruzilhadas
e você não merece receber bosta de oferenda

lembra de uma coisa, minha fera:
no final das estorinhas infantis
no final, é o lobo quem vira presa
e morre de cansaço, ou de raiva, ou de surpresa

IV

não perca tempo com quem tem tempo a perder
nesse tempo aqui agora
esse tempo é gerúndio
aqui
agora
o amar é amando
o beijar é beijando
o querer é querendo
o transar é transando
o dançar é dançando
o cantar é cantando

o viver de quem quer viver
é vivendo

não perca tempo porque você não é mais criança
e também não é mais trouxa
você não tem mais tempo a perder
e você -- vou repetir -- você não é mais trouxa

na mesa é você quem distribui as cartas
no salão é você quem dita o ritmo
na cama é você quem dá o tom
de uma melosa melodia ou do poderoso rosnado

agora aqui
você vai vendo e estendendo a mão
o convite está de palmas abertas

V

vou repetindo:
o aceitar é aceitando
até não se aceitar mais
coisa perfeita é não aceitar mais o que não estamos mais aceitando

repito:
o aceitar é aceitando
até não se aceitar mais
coisa perfeita é não aceitar mais o que não estamos mais aceitando

só se gosta, gostando
só se goza, gozando
porque amar é amando
e você só ama... se amando
você só ama se amando
só ama se amando...

vou repetindo:
só se gosta, gostando
só se goza, gozando
porque amar é amando
e você só ama... se amando
você só ama se amando
só ama se amando...

porque o presente é contínuo, criança
o presente é contínuo
só se vive vivendo
o presente é contínuo
só se vive vivendo
o presente é contínuo
só se vive
vivendo
o presente é contínuo

só se vive
vivendo
um dia de cada vez