12 dezembro 2013

Sincrônico

Muitas e muitas coisas coincidem
E não querem dizer nada.
Mas não deixamos de nos encantar
Com essas coincidências,
E nos enganar,
Querendo dizer com elas muitas coisas.

São muitas e pequenas e belas
As coincidências quando eu te amo.
E o universo parece girar
Ao nosso redor.

E tudo lembra você, desde as mais pequenas coisas
E cada vez mais coisas se relacionam a ti...
A ti elas me relacionam!
E eu continuo aqui...
Sempre em você
A coincidir.

"...é como o olho calmo do furacão"

...é como o olho calmo do furacão,
que a tudo pega, desmonta e espalha.

E me vejo depois perdido,
em meio aos escombros,
com tudo de novo por reconstruir.

O que é isso? Não sei,
mas está aí a me olhar.

04 dezembro 2013

16 novembro 2013

Retiro o que disse


Digamos que eu preciso passar a você uma mensagem na qual eu devo dizer como você se comporta perante os outros. E nessa mensagem eu devo dizer qual a minha avaliação (positiva ou negativa) sobre o seu comportamento. Imaginemos que para isso eu só tenha uma única folha e apenas uma caneta, além disso que eu seja proibido de apagar ou borrar o que eu escrevi. Se eu quiser indicar que houve um erro no que escrevi, só poderei no máximo passar um traço cortando as palavras que eu gostaria que fossem desconsideradas. Por exemplo, assim: melancia. Sob essas condições, posso Posso ainda dizer que aquilo que eu acabara de escrever “não era aquilo que eu queria dizer”, o que equivaleria ao traço cortando as palavras. 
Sob essas condições, escrevo então rapidamente a tal mensagem descrevendo como você age e qual a minha avaliação. Logo em seguida, percebo que usei palavras fortemente negativas, de modo que não estavam de acordo com a avaliação que eu de fato gostaria que você recebesse, que era uma avaliação não tão negativa. Temendo sua reação forte diante daquelas palavras fortes, me resta cortar com um longo traço todas as minhas palavras iniciais e escrever embaixo destas, no espaço restante, a minha avaliação mais amena. Que efeitos vai ter essa segunda avaliação, já que você poderá ler a primeira? Que efeitos terá a expressão "não era aquilo que eu queria dizer"?

O mestre está sozinho



O mestre está sozinho.
Não espera que o levem pela mão,
mas sequer tem quem lhe aponte o caminho.

Mestre e principiante caminham primeiro com aquele à frente deste.
Depois, lado a lado.
Depois, o mestre deixa de ser mestre e o principiante deixa de ser principiante.
Então, ainda que em companhia, passam a caminhar solitários.

Adiante, o caminhante solitário há de encontrar outro mestre.
Caminharão... este à frente daquele.
Caminharão juntos...
Até caminharem sozinhos.

30 outubro 2013

Aforismos, trocadilhos e nanotextos... n.2

Criações humanas: craques, crenças, crianças, cronologias e crucificações.

Reflexos



Encarar a si mesmo.

Sou este que me olho quando miro meu umbigo e fecho as pálpebras e sinto respirar?
            ...percebo a ponta do meu nariz aqui....

Si mesmo a encarar.

Ou este que vejo é este que olho no reflexo do olho deste outro que tenho diante de mim?
            ...noto a distorção desse espelho convexo aí...

Olhar em redor.

Enxergo minha própria pessoa?
            ...Observam, outros, que observo...

Redor em olhar.

Pessoa, própria minha, enxergo?
            ...Observo que outros observam...

20 setembro 2013

Reticente

...
O silêncio...
...a fala em potência.
Ouvir na reticência
o dizer no que não se diz.

Ouve o meu silêncio!
Atenta ao que não te digo!
Decifra quando paro e me calo!
Veja:
É porque tenho ouvidos
já cansados...

Das tuas palavras em excesso
Das tuas palavras em excesso repetidas
Das tuas palavras em excesso repetidas prolixas
Das tuas palavras em excesso repetidas prolixas vazias
 ...cheias de ti.

04 agosto 2013

O meu olhar é embaçado como o que eu digo

O meu olhar é embaçado como o que eu digo.
Não vejo com os olhos, vejo com a língua.
E o que vejo a cada momento
É aquilo que antes eu já tinha previsto,
E me dou por isso muito mal.

Sei ser um tolo essencial
Como uma criança que, ao falar,
Não percebesse o que dissera deveras...
Sinto-me perdido a cada momento
Nos emaranhados embolorados do meu crânio

Creio nos meus devaneios como num pesadelo,
Porque os sinto.
E incomodado tento à toa não pensá-los
Porque sentir é o que os vivos sabem de melhor fazer...

Os pesadelos não se fazem para pensarmos neles
(Sonhar é flagrar o Desejo e o Medo transando)
Mas para vivermos eles e chorando sermos acordados...

Eu não tenho sentidos: tenho devaneios excessivos...
Se falo de tantos quereres e terrores não é porque tenha todos eles vivido,
Mas porque os sonho, e os sinto aqui estralando entre os meus ossos

Porque quem sonha nunca sabe direito porque sonha
Nem lembra tudo o que sonhou, nem o que é sonhar

Sonhar é uma infinita carência
E a última carência é não sonhar

Flerte

I

Sua pele apenas vista me começa
Sua pele então beijada me silencia
Estou nas sutilezas de dizer e não dizer
Eu me faço no revelar sem mostrar
Sou o bobo bem me quer mal me quer...
Meu bem não me quer?
Olha, pergunta, sorri
Quer
E te quero... e que ainda nem conheço!
E temo perder... o que ainda nem tenho!

Dou o movimento... 
Jogo tenso, um empurra e puxa, trocas de olhar.
O olhar projetado enquanto se recua, e então se encara...
            ...aprofunda-se íris adentro.
As retinas, cortinas em contraluz, mostram em sombras quem está por dentro.
E assim sorrisos entrevistos, visadas entressorridas no flerte,
            desferindo palavras agudas, perfumados floretes.
Dois a se confundir, um par a se olhar...

II

Não, eu não sei disfarçar.
Há coisas que me escapam
pelos poros
pelos olhos
pelos passos
pelos pensamentos... infindos balões imaginários,
Mais um ali passando!
Vê?!
O que me escapa?
Algo do que se queira dizer
Do que se queira entregar
Do que se queira fazer...
Vê?!
Lá estou, disfarçadamente,
a te olhar...

22 julho 2013

Um estranho problema de repetição



            Um estranho problema de repetição é se ver outro nos mesmos lugares e situações. É se ver estranho às coisas ao redor que antes eram tão comuns. E então pouco se suporta: é difícil aceitar o mundo parado enquanto você em pleno movimento. Repetição de falas, repetição de caras, repetição de fatos, mas que não mais ressoam em você, simplesmente passam e quase matam... de tédio. Tédio, então cansaço, então enfado, então sono. E você vibrando fortemente em outro tom, afinado com outras vozes, vendo outras coisas naquelas mesmas coisas ainda as mesmas.
            Você olha pro teto, procura uma saída, olha pros lados, não vê opção. Finge que ouve, se põe civilizado, quando de fato o que queria era mandar tudo pra merda, ou seja, tudo pro seu devido lugar: esse passado não passa da merda que você caga e descarga, lava as mãos e vai embora.
            Ir embora, sempre indo, não parando e você vai sempre se fazendo estranho aos mesmos mesmos nesse estranho problema de repetição.

09 julho 2013

in memoriam



Mecanicamente eles repetiam:
“Bem-aventurados os que promovem a paz,
Palavras do Senhor, Graças a Deus...”
E saindo do templo já se iam
Brigando entre si, brincando de deus.

E não satisfeitos com o poder outorgado,
Criavam mais regras e bulas papais,
Criando mais guerras e cada vez mais
Fazendo do povo um mero seu gado.
Até hoje o fazem, sem pena nem dó.

Há tantos mil’anos há tantos estragos,
há tantos destratos, há tantos enganos,
que não se estranha que o rebanho ande magro
e que o santuário junte tanto mais pó.

 Umbelino Neto,
à "Velhice do Padre Eterno, 1885"