04 agosto 2013

O meu olhar é embaçado como o que eu digo

O meu olhar é embaçado como o que eu digo.
Não vejo com os olhos, vejo com a língua.
E o que vejo a cada momento
É aquilo que antes eu já tinha previsto,
E me dou por isso muito mal.

Sei ser um tolo essencial
Como uma criança que, ao falar,
Não percebesse o que dissera deveras...
Sinto-me perdido a cada momento
Nos emaranhados embolorados do meu crânio

Creio nos meus devaneios como num pesadelo,
Porque os sinto.
E incomodado tento à toa não pensá-los
Porque sentir é o que os vivos sabem de melhor fazer...

Os pesadelos não se fazem para pensarmos neles
(Sonhar é flagrar o Desejo e o Medo transando)
Mas para vivermos eles e chorando sermos acordados...

Eu não tenho sentidos: tenho devaneios excessivos...
Se falo de tantos quereres e terrores não é porque tenha todos eles vivido,
Mas porque os sonho, e os sinto aqui estralando entre os meus ossos

Porque quem sonha nunca sabe direito porque sonha
Nem lembra tudo o que sonhou, nem o que é sonhar

Sonhar é uma infinita carência
E a última carência é não sonhar

Flerte

I

Sua pele apenas vista me começa
Sua pele então beijada me silencia
Estou nas sutilezas de dizer e não dizer
Eu me faço no revelar sem mostrar
Sou o bobo bem me quer mal me quer...
Meu bem não me quer?
Olha, pergunta, sorri
Quer
E te quero... e que ainda nem conheço!
E temo perder... o que ainda nem tenho!

Dou o movimento... 
Jogo tenso, um empurra e puxa, trocas de olhar.
O olhar projetado enquanto se recua, e então se encara...
            ...aprofunda-se íris adentro.
As retinas, cortinas em contraluz, mostram em sombras quem está por dentro.
E assim sorrisos entrevistos, visadas entressorridas no flerte,
            desferindo palavras agudas, perfumados floretes.
Dois a se confundir, um par a se olhar...

II

Não, eu não sei disfarçar.
Há coisas que me escapam
pelos poros
pelos olhos
pelos passos
pelos pensamentos... infindos balões imaginários,
Mais um ali passando!
Vê?!
O que me escapa?
Algo do que se queira dizer
Do que se queira entregar
Do que se queira fazer...
Vê?!
Lá estou, disfarçadamente,
a te olhar...