Sempre que retorno a Portugal, venho
mecanicamente a esta pequena tabacaria, uma das mais tradicionais de Lisboa e
para mim a mais sagrada. Tomo meu lugar nesta mesinha quadrada à janela, que dá
para uma rua de pedras, e não descrevo mais a rua porque só reparo nas pedras, cinza-azuladas.
Mal olho para fora porque sossego mais ouvindo as mesmas histórias de sempre
deste senhorzinho velho, filho do primeiro dono do lugar.
É ele mesmo que aponta, servindo o café, que aqui no tampo de madeira você pode
notar as marcas redondas de xícaras derramadas antes da Segunda Guerra. O
verniz passaram depois, quando seu pai voltou vivo mas sem um pé. E é ele mesmo
que em seguida aponta no cantinho que ela tem essa pichação à canivete, e a tabula
antiqua est como este bom talho diz “A.C.”. Mas não foram os romanos,
ele conta rindo, até porque não conheceram o Cristo.
É que, embora não fumasse, a última vez que Alberto Caeiro foi visto em Lisboa
foi quando esteve com Álvaro de Campos nesta pequena tabacaria. E a mesa em que
se sentaram era esta, e você consegue ver que a base é um X inteiro e não
montado, sobre o qual se ergue esta coluna única e onde se pousou o marcado
tampo.
Para a época, esse tipo de base, um grande ×,
se tratava de um desenho quase impensável para uma mesa. No entanto, via-se ela
ali como a incógnita de uma equação. “Mestre Caeiro, esta mesa tem quantos pés,
um, dois ou quatro?”. “Ela tem os meus e os teus.”.
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