19 março 2014

Lisbon revisited (2014)


             Sempre que retorno a Portugal, venho mecanicamente a esta pequena tabacaria, uma das mais tradicionais de Lisboa e para mim a mais sagrada. Tomo meu lugar nesta mesinha quadrada à janela, que dá para uma rua de pedras, e não descrevo mais a rua porque só reparo nas pedras, cinza-azuladas. Mal olho para fora porque sossego mais ouvindo as mesmas histórias de sempre deste senhorzinho velho, filho do primeiro dono do lugar.
            É ele mesmo que aponta, servindo o café, que aqui no tampo de madeira você pode notar as marcas redondas de xícaras derramadas antes da Segunda Guerra. O verniz passaram depois, quando seu pai voltou vivo mas sem um pé. E é ele mesmo que em seguida aponta no cantinho que ela tem essa pichação à canivete, e a tabula antiqua est como este bom talho diz “A.C.”. Mas não foram os romanos, ele conta rindo, até porque não conheceram o Cristo.
            É que, embora não fumasse, a última vez que Alberto Caeiro foi visto em Lisboa foi quando esteve com Álvaro de Campos nesta pequena tabacaria. E a mesa em que se sentaram era esta, e você consegue ver que a base é um X inteiro e não montado, sobre o qual se ergue esta coluna única e onde se pousou o marcado tampo.
        Para a época, esse tipo de base, um grande ×, se tratava de um desenho quase impensável para uma mesa. No entanto, via-se ela ali como a incógnita de uma equação. “Mestre Caeiro, esta mesa tem quantos pés, um, dois ou quatro?”. “Ela tem os meus e os teus.”.

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