07 abril 2014

Uma noite na taverna, quadro II



“Sou o sonho de tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!...”
(“O fantasma”, Álvares de Azevedo)

            “Pois eu vos digo que os raios caem de baixo para cima!”. Aquela ideia, afirmada assim com convicção no ano de 1855 de Nosso Senhor, logo mostrava que ela não era mulher vulgar, apesar de viver de mulher da vida naquela taverna tuberculosa.
            Para B., que a ouvia escutando apenas como ela gemeria logo mais com seus tapas, porque mulher gosta de apanhar, e de pau, para B., ela só podia ser filha de macaca preta com seu dono branco, enjeitada por algum azar quando menstruou ou fugida e recomprada pelo boa pança que agora lhe enchia o copo. Um bom negócio, decerto, porque ela não era negra nem branca, mas até que branca na luz dessas lamparinas, e comer uma branca assim não é mal negócio, e ela bem que parece limpa, vê-se que tem todos os dentes. Decerto vale o quanto deve custar, e ele bem que gosta de uns cabelos não lisos e escuros... como o dela, pensou B. duro.
            O que ele não sabia é que ela jamais se esquecera de algo que ele já não mais se lembrava.
            O outro copo de B. foi ela mesma quem serviu, apertando-lhe o volume que apontava para o andar de cima onde ficavam os quartos. E para a sorte de B., ela disse nas escadas que não lhe custaria nenhum conto de réu caso ele a satisfizesse um pedido ou dois. Até três. Pois bem, até três.
            Na porta a mulher segurou sua saia para que ele ali logo não a arrancasse. Ela se colocou na cama e foi engatinhando passo a passo até a cabeceira. Repousou a cabeça sobre as dianteiras, olhando deliciosa para trás. A saia longa desenhou a curva daquela traseira erguida de cio. Era mesmo uma cadela te pedindo uma cinturada. Não senhor, os pedidos primeiro. Ele só deixou passar o contragosto porque ela já lhe trazia outro copo e aquela cicatriz naquela barriguinha plana e morena deu-lhe a impressão antiga e gostosa de sua primeira forçada numa escravinha mestiça, ela era filha de seu pai com uma negra, mas pena que num dia de chuva ela fugira, encobrindo os rastros nos encharcados da fazenda. Deve ter morrido em algum barranco, pois havia tempestade de raios e os rios subiram, nunca mais fora vista. Tomando o copo de um só bom gole, porque é assim que homem bebe, ele já estava quase mandando os três pedidos pra merda.
            “Primeiro: diga-me seu nome de família”. Disse. Ela afrouxou as calças do homem. “Segundo: abra bem os olhos e veja os meus.” Abriu. E ele a sentiu o sacando e o manipulando lisa, porque ela cuspira na mão. Agora de olhos fechados ele viu que deveras fechara um bom negócio. “Terceiro: você me acredita que um raio cai de baixo pra cima...”. Acreditou. E de olhos ainda cerrados, porque aquilo era muito bom, não testemunhou que o seu punhal lhe explodiu mandíbula acima, atravessando a língua, até fincar-se no seu céu da boca.

2 comentários: