21 abril 2014

Caga-sebo

          Tem certos momentos na nossa vida que a gente só quer um sinal, uma dica vinda lá do alto. E tem vezes que esses sinais vêm e às vezes é do alto mesmo! Outra noite tomei uma decisão importante e de manhã, assim que saí de casa, a primeira coisa que vi — e o raro é que foi assim beeeeem de perto — foi um passarinho pequeno do peito amarelo, parecido com um bem-te-vi.  Ele pulava piando no galho baixo em cima da minha cabeça. Humm... Uma decisão importante e um acontecimento insólito assim em sequência... Sabe o que isso quer dizer?
  
Fotografia: Thiago Cabral Correia, contista e fotógrafo, em Guaramiranga, Ceará, 2014.
             Nada. Sempre evitei sinais vindos do além. Em 2001 (e agora é que percebo que já fazem agourentos 13 anos), eu comecei a ler o conto “A cartomante” do Machado de Assis, mas parei bem na parte em que o protagonista estava prestes a subir no consultório dela. E aqui no turvo da minha memória eu espio ali do outro lado da rua aquele cara se borrando de medo diante de uma porta com adereços de cigana. Não passei daí no conto e não lembro qual foi a coincidência que me fez parar a leitura. Até hoje não sei como essa história acaba... Tem também um conto do Rubem Fonseca, intitulado “Cropomancia”. É a história de um cara que aprendeu a predizer o futuro fazendo a leitura na sua própria... Adivinha? Antes de o cara fazer o derradeiro vaticínio, também aconteceu algo que não me permitiu terminar o conto. Coincidências? Talvez. Ou talvez algum tipo de prisão de ventre literária.
          Carl Gustav Jung foi um psiquiatra suíço muito erudito que formulou um conceito muito curioso: o da sincronicidade. Ele disse: é uma "...coincidência significativa de dois ou mais acontecimentos, em que se trata de algo mais do que uma probabilidade de acasos." (Collected Works, VIII, §959). Ah, "sincronicidade" então se refere às raras (mas tão frequentes!) coincidências entre eventos não relacionados, mas que se mostram ligados de um jeito bem significativo. Vejo que isso realmente ocorre, mas em determinados momentos de nossa vida, e geralmente em momentos de decisões importantes. Eu vejo assim porque eu me pergunto: "Se a coincidência é significativa, quem é que dá o significado?"
            Então aquele passarinho só podia ser um augúrio. Um agouro não era, porque eu nunca ouvi que o diabo era tão bonitinho, nem que maldições e pragas soavam como um piado fino. O nome dele deveria me sinalizar alguma coisa... E com um pouco de pesquisa descobri que o nome do ser é Caga-sebo! Ele veste as cores do bem-te-vi (um fã talvez?), mas trina beeeeem diferente do seu ídolo. Bem, o bem-te-vi canta o que fala, ele é bem direto com a gente. Mas o que é que o Caga-sebo diz? E eu aqui duvidando que o Cão podia se fazer de bem-te-vizinho... mas com aquele nome sujo já não duvido da Sua criatividade e já não sei de mais nada.
            O que eu sei é que no passado os gregos consultavam a passagem dos pássaros para tomar suas decisões. Não ficou registrado, mas viram Aquiles olhando para cima antes de zarpar contra Troia. Homero suprimiu esses versos porque não seria muito heroico. Hoje o mundo virou do avesso e parece que são os augúrios que nos consultam depois que tomamos uma decisão. Fomos abandonados por eles, mas mal amigos que são, nos procuram quando deles já nem mais precisamos. Eu, que sou bom amigo, tento ver o lado deles: parece que se cansaram de serem sempre os culpados.
            Será que eu poderia então ler o meu futuro no sebo daquele passarinho? Melhor não, nada heroico.

2 comentários:

  1. Mais um texto sensacional! Além de contista e poeta, excelente cronista você.
    Li "A Cartomante" de Machado de Assis, embora não me recorde muito, e no ano passado numa coletânea de meu escritor favorito, li “Cropomancia”, que me fez pensar um bocado, algo tipo "Caramba, isso é que é ser original... Quem diabos escreveria um conto acerca disso, porra?", ainda que não esteja entre meus favoritos. E ler futuro no sebo dessa ave diminuta não me soa boa ideia também. Aliás, fico na agonia com minhas leituras não concluídas! Recomendo que confira o resto dos contos. Hehehe. Gostei muito, fez-me refletir sobre esse tema, augúrio. Não dedico muito tempo para pensar a respeito, inclusive me recordei de umas paradas que li num livro de Carl Jung envolvendo pacientes que tinham pesadelos e mais tarde tinham uma morte bem semelhante às dos sonhos descritos. Intrigante!

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    1. Pois é, também penso sobre esse tema. Não sei se deu pra perceber, mas fico meio em cima do muro com essas histórias, não sei se acredito se o sinal vem de fora ou se o sinal sou eu que dou pra mim mesmo. Se tudo é uma coincidência ou se não é, ou se eu é que coincido as coisas relacionando elas... não sei não sei não sei...

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