“Sou o sonho de tua
esperança,
Tua febre que nunca
descansa,
O delírio que te há de
matar!...”
(“O
fantasma”, Álvares de Azevedo)
“Pois eu vos digo que os raios caem de
baixo para cima!”. Aquela ideia, afirmada assim com convicção no ano de 1855 de Nosso
Senhor, logo mostrava que ela não era mulher vulgar, apesar de viver de mulher
da vida naquela taverna tuberculosa.
Para B., que a ouvia escutando
apenas como ela gemeria logo mais com seus tapas, porque mulher gosta de apanhar,
e de pau, para B., ela só podia ser filha de macaca preta com seu dono branco,
enjeitada por algum azar quando menstruou ou fugida e recomprada pelo boa pança
que agora lhe enchia o copo. Um bom negócio, decerto, porque ela não era negra
nem branca, mas até que branca na luz dessas lamparinas, e comer uma branca
assim não é mal negócio, e ela bem que parece limpa, vê-se que tem todos os
dentes. Decerto vale o quanto deve custar, e ele bem que gosta de uns cabelos
não lisos e escuros... como o dela, pensou B. duro.
O que ele não sabia é que ela jamais
se esquecera de algo que ele já não mais se lembrava.
O outro copo de B. foi ela mesma
quem serviu, apertando-lhe o volume que apontava para o andar de cima onde
ficavam os quartos. E para a sorte de B., ela disse nas escadas que não lhe
custaria nenhum conto de réu caso ele a satisfizesse um pedido ou dois. Até
três. Pois bem, até três.
Na porta a mulher segurou sua saia
para que ele ali logo não a arrancasse. Ela se colocou na cama e foi
engatinhando passo a passo até a cabeceira. Repousou a cabeça sobre as
dianteiras, olhando deliciosa para trás. A saia longa desenhou a curva daquela
traseira erguida de cio. Era mesmo uma cadela te pedindo uma cinturada. Não
senhor, os pedidos primeiro. Ele só deixou passar o contragosto porque ela já
lhe trazia outro copo e aquela cicatriz naquela barriguinha plana e morena deu-lhe a impressão antiga e gostosa de sua primeira forçada numa escravinha
mestiça, ela era filha de seu pai com uma negra, mas pena que num dia de chuva
ela fugira, encobrindo os rastros nos encharcados da fazenda. Deve ter morrido
em algum barranco, pois havia tempestade de raios e os rios subiram, nunca mais
fora vista. Tomando o copo de um só bom gole, porque é assim que homem bebe,
ele já estava quase mandando os três pedidos pra merda.
“Primeiro: diga-me seu nome de
família”. Disse. Ela afrouxou as calças do homem. “Segundo: abra bem os olhos e
veja os meus.” Abriu. E ele a sentiu o sacando e o manipulando lisa, porque ela
cuspira na mão. Agora de olhos fechados ele viu que deveras fechara um bom
negócio. “Terceiro: você me acredita que um raio cai de baixo pra cima...”.
Acreditou. E de olhos ainda cerrados, porque aquilo era muito bom, não
testemunhou que o seu punhal lhe explodiu mandíbula acima, atravessando a
língua, até fincar-se no seu céu da boca.