21 outubro 2021

O ouriço

Detesto me lembrar de você. Para que me lembrar de você? Por que eu preciso passar essa raiva de saber que já te amei e que você não vale nada. E que eu valia menos ainda pra você... — tudo isso que eu tanto demorei pra ver.

Que asco que eu tenho de adivinhar o teu sorrisinho vitorioso quando souber que eu me sinto assim... Que ódio em pensar que você vai se satisfazer ao saber que eu sou o estrago que você fez... Que eu só fui mais uma moeda a engordar o seu extrato. Que eu fui uma engrenagem — em meio a tantas outras — a acelerar as tuas engenharias.

Você se diverte por ter me deixado assim? Você está achando bom saber que você deixou alguém sentindo por você total desprezo e nojo? Você vem me dizer que “se eu penso tanto em você é porque no fundo eu te dou valor”? Que valor é esse?! Você se orgulha de causar dor em alguém? Que tipo de gente você é que aprecia o sofrimento que causou?

No seu lugar, eu morreria de vergonha. No seu lugar, eu me questionaria sobre todas as minhas atitudes e repensaria o tipo de pessoa que eu estava sendo. Eu assumiria a minha responsabilidade sobre o estrago que fiz sobre o outro e olharia com todo o cuidado o impacto que gero em alguém. Eu me desculparia com toda a humildade que me fosse possível expressar e faria por onde dar alguma reparação. E depois me esforçaria com tudo que tenho à mão para evitar esse tipo de irresponsabilidade se repetir de minha parte. E isso seria o mínimo que eu poderia fazer. O mínimo!

É engraçado como detestar alguém dá um certo gosto quando a gente se pega assim xingando, diminuindo e desprezando essa pessoa... Tem alguma coisa saborosa por nos vermos então, pelo menos assim, acima desse lixo detestado. Dá um certo prazer em cuspir sobre o nome dessa miséria.

Mas chega uma hora que detestar cansa. Xingar, diminuir, desprezar cansa. Cansa sentir raiva. Cansa a repetição desse enjoo. Cansa se lembrar de novo e de novo e de novo do prejuízo, do tempo perdido, do mal sofrido. Cansa se perceber que mais uma vez está se lembrando de tudo isso, mais uma vez.

Ah, mas por que eu não simplesmente esqueço essa merda? Seria tão mais fácil perdoar, deixar pra trás! Mas não.

A mágoa é como um cacto-ouriço que você me enfiou no bolso da calça e perfurou toda minha perna, encheu minha roupa de espinhos e ainda as minhas mãos quando eu tentei tirar o próprio ouriço do bolso e tive que pinçar cada um, um a um, todos os outros espinhos espalhados: tanto da perna quanto das pontas dos dedos e de cada outra parte do corpo onde esse cacto encostou. E depois de tudo isso, o cacto ainda fica de herança, se não mais para levar no bolso, que é insuportável, levar na bolsa. E depois, ao se livrar dessa bolsa e assim finalmente do cacto, ainda fica a lembrança.

A lembrança da dor dos espinhos e do trabalho de catar um a um, a raiva de saber que foi tanto tempo perdido nisso, do sangue diluído em lágrimas, das feridas que ficaram, das infecções que aparecerem e tiveram que ser tratadas, as inflamações que se espalharam... Essas lembranças! E depois que toda essa parte que dói ter diminuído... vem as coceiras e hipersensibilidades das cicatrizes.... os cuidados para essas áreas não serem feridas de novo e tudo o que a gente gasta de esforço, tempo e até dinheiro para fazer isso sarar logo e essa merda toda nunca mais acontecer de novo.

E o quanto cansamos também os outros ao nosso redor. A paciência e persistência que eles têm de ter conosco até essa nossa dor passar... antes que o amor deles acabe.

É... não se detesta alguém tanto assim à toa... E saber disso não deixa tudo isso menos cansativo. Se eu penso em você, ainda, depois de tanto tempo, é porque um dia já te dei muito, realmente, muito valor. Um dia... mas já se foi. A partir de hoje, eu sou o teu ouriço.

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