02 junho 2013

Sobre um texto de alguém que escreve para si mesmo



Há muito desisti da pretensão de ser escritor ou poeta. Este texto, com certeza, mesmo que venha a ter algum primado estético ou mostre que o autor tentou debilmente encontrar uma expressão mais artística, este, não será literário. Será algo que alguém escreve para si mesmo. E, como tal, será provavelmente jogado no fogo, assim como os cinco grossos tomos de versos do Coronel Aureliano Buendía, da vila Macondo, os quais “não passam de coisas que alguém escreve para si mesmo”.
Com certeza, para outro leitor que não eu mesmo será extremamente enfadonho, por isso é melhor parar de ler agora mesmo. Não tentarei ser engraçado nem belo, não pretendo comover nem chocar. Para que escrever então, se não é para o público? Por que perder horas gastando a mão e o olho, se não é para alguém apreciar? Talvez um pouco de insônia seja a resposta. Assim, logo se vê, este será um texto de alguém que não encontrou nada melhor para fazer. Já disse, são palavras de alguém que escreve para si mesmo.
Várias vezes vi jovens lendo em sala de aula poemas seus. Nunca cheguei a tal atrevimento, nem no tempo em que me achava poeta. Como não enxergamos a feiúra de nossos próprios filhos! Projetamos neles o que somos ou o que queremos ser: belos, inteligentes e interessantes. Por que tornar público um texto no qual você nada diz para o outro, em que a mensagem não passa de, praticamente, um “Oi, eu sou fulano, assim assim assado, olha como sou poético (belo, inteligente e interessante)”.
Meu jovem, para um texto ser literário tem de nos dizer algo, tem de trazer algo para o outro... Se não, nem se dê ao esforço de perder a vergonha de arrancar seu texto de seu querido diário. Porque não passará disto, palavras que alguém escreve para si mesmo. Mas se a idéia é essa, dizer algo, não para nós leitores, mas para si mesmo, muito bem, dispense seu analista e faça a sua própria literaterapia. Só não venha importunar-nos com sua bela, inteligente e interessante subjetividade. Não se iluda achando que é essas três coisas, você não é um texto literário.
Os grandes escritores, estes, que nos ensinam algo com sublime sadismo, estes são cruéis o bastante para nos dizer quem somos, revelando-nos o que temos de grave e constante, desanestesiando-nos com suas astonishing frases. Estes escritores - quem já leu Guimarães Rosa, Dostoievski, Borges ou Fernando Pessoa e seus outros, sabe do que estou falando - desde pequenos se alimentaram dos grandes escritores. Eles têm a humanidade com eles. Quando falam, é nossa voz que escutamos. E é o que machuca e encanta.
Mas um texto autoterapêutico, como este aqui, enfada. Ficamos logo querendo pular pro último parágrafo e ver se pelo menos o autor tentou finalizar com uma tirada esperta. Ainda assim, e com freqüência, uma tal autopsicoprofilaxia dá-nos um cansaço e apatia, ou no mínimo compaixão quando a alma é caridosa. Uma alma assim entende: “É, essa pessoa está querendo desabafar...”.
Escrever é declamar-se. O problema é que dificilmente se tem a humanidade consigo, ou pelo menos um pedacinho dela, que se fosse mostrado iríamos nos espantar com o belo e doloroso de quem nós somos. Declamar-se pode ser interessante para o seu analista; aliás, não é isso o que ele quer de você o tempo todo? Leia seus textos para ele, com certeza os achará belos, inteligentes e interessantes. Os analistas geralmente têm muito amor no coração, pessoas generosas.
Ah, não faz análise? Então pegue seus textos e guarde numa gaveta por algumas semanas, ou alguns meses, ou dependendo de como sua vida andar. Quando ocorrerem mudanças, releia-os. E repita o gesto arquetípico do Coronel Aureliano Buendía.

 
por Umbelino Neto27.06.2008

4 comentários:

  1. Cara, seguinte: vc tem o dom de escrever, fato. Desde o tempo de colégio, você escreve de um jeito genuíno, sincero, que prende a atenção porque realmente suscita imagens e realmente faz imaginar a cena, seja ela uma cena de amantes em cenários lúgubres, ou cenas de ódio, frustração e desejo que se passam apenas como eventos privados na narração, sem nenhuma ação da personagem, ou apenas especulações filosóficas com pitadas de sarcasmo ou o que quer que seja... gosto muito de ler teus textos, eles sempre me trazem experiências interessantes...

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  2. Belo texto jovem. Mas tudo isso é normal, acontece constantemente comigo. Meu problema é que tenho muitas ideias e tenho muito preguiça de escrever. Contudo, isso sim é Literatura. A literatura nasce justamente dessa angústia: o que escrever? como escrever? a quem escrever?
    Essas são graves questões colocadas por Jean Paul Sartre, em seu livro O que é Literatura?
    continue com suas angústias e as expresse, pois o mundo tende a ganhar muito com isso. Um abraço.

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  3. Às vezes, pelas tardes, uma face
    Nos observa do fundo de um espelho;
    A arte deve ser como esse espelho
    Que nos revela nossa própria face.

    (Jorge Luis Borges, em "Arte Poética"

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  4. Os grandes escritores, estes, que nos ensinam algo com sublime sadismo.(...) Eles têm a humanidade com eles. Quando falam, é nossa voz que escutamos. E é o que machuca e encanta.

    Exatamente! E, a despeito das suas dúvidas, eu reconheço essa tal humanidade nesse texto. :)

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