ser homem pra mim hoje é abraçar o medo
de andar sobre uma corda bamba
de um lado o abismo do masculino
que berra lá de baixo
grosso, irônico e com um monstruoso desgosto
sentenciando
que eu não sou homem
que eu não sei ser homem
e que eu devo ser homem
muito homem, super homem
muito mais macho do que muito homem
e do outro lado o penhasco do feminino
um desfiladeiro estreito
cheio de pedrinhas soltas e espinhos
e onde eu sempre tropeço e caio
num altíssimo e abissal cancelamento
se eu não atender às maiorais
e totais
espectadoras
com as suas colossais e agudas
expectativas
sempre me repetindo e repetindo e repetindo
num sussurrado raivoso no ouvido
me lembrando e surrando e dizendo
que eu não sei ser homem
que eu não sou mulher
e que eu devia ser como uma mulher
mas que eu jamais serei
e mesmo se eu passo bambo dessa corda
os dois gigantes se levantam
dividem a corda ao meio
e cada um de um lado pega
os meus dois braços, amarram os meus pulsos
me esticando em crucifixo
e ambos tão certos e supremos de si
me olham nos olhos e sorriem para mim
e na maior e mais crua tranquilidade
naquela paz daqueles que têm certeza
me estraçalham no meio
e eu mesmo partido sobrevivo
a essa partilha
mas assim eu sigo
sem saber ser nem como não ser
o que eles querem nem o que não querem
nem um nem outro
parto
nem meio vivo nem meio morto
bambo entre o abismo e o penhasco
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