senta aqui do meu lado menina flor
escuta essa moça velha e abusada
de ventre e de mãos calejadas
vou te ensinar o poder
de tornar a dor em poder
e poder sentir a dor
sem se desfazer em lágrimas
esse teu mar salgado
represado
em teu peito lindo e cheio de vida
cujas águas sempre chovem de baixo pra cima
formando rios
sob teus olhos de esmeralda
da cor do mar
esse teu mar salgado
tu irá verter não só para os teus olhos já cansados
mas também para tuas mãos e lábios
com ondas fortes
levantadas
com a tua respiração
inspira...
um, dois, três, quatro
cinco, seis, sete
segura
o que grita no teu coração
expira...
sete, seis, cinco, quatro
três, dois, um
grita o que sussurra na tua cabeça
fala, expõe, descreve, conta
narra tudo aquilo que no fundo do mar se passa
inspira
sete, seis, cinco
quatro, três, dois
um...
vou te ensinar, criança
o poder de tornar a dor em poder
fazer o que tu quer fazer
dizer o que tu precisa dizer
amar quem tu deseja amar
desprezar quem te ensinou desprezar
negar quando tu sente negar
cantar como tu se ouve cantar
ser quem tu ama ser
e pra casa do caralho mandar
aqueles
e pros sete infernos amaldiçoar
aqueles
aqueles que não vierem a te respeitar
tu não aceitarás menos que o melhor
tu não irá tolerar menos que o máximo
e ai daquele que não te for impecável
por cometer o pecado de incomodar
a deusa dengosa que cochila dentro de ti
o teu corpo será um altar
onde só se pisa de pés muito limpos e descalços
onde apenas se toca de mãos lavadas e unhas cortadas
onde se olha com calma cada lindo detalhe
e se ouve calado o som do órgão potente e afinado
que se encaixa na tua caixa torácica
onde se agradece sete vezes
por poder se aproximar
e sete vezes agradece
ao se despedir
o teu corpo é o teu altar
feito de couro, carne, vísceras e ossada
regado pelo vermelho rubi líquido
que foi da tua mãe herdado, e que ela herdou da tua avó,
que herdou da mãe dela,
que herdou de todas as outras antecessoras
que já se foram sem deixar testamento
mas mostram na tua pele um testemunho
para que teu corpo seja iluminado
a consagrar o que há em ti de mais sagrado:
que é o teu sopro, o teu hálito,
a tua saliva, teu suor e feminino transudato
bem aventurados aqueles que tu permitirá
nesse solo de barros santos
poder comungar
pois tu terá aprendido
a transmutar
a dor em poder
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