estou afundando aos poucos num buraco
que eu já conhecia o fundo
e do qual eu já sai e não tenho saudade nenhuma
nenhuma!
porém me sinto entorpecido
e sem ter tomado droga alguma
não consigo mais sorrir sozinho
eu tento até esticar os lábios horizontalmente
e mostrar os dentes
mas me é estranho esse alegrinho esforçado, forçoso e montado
a quem estou conectado?
só a mim mesmo?
por que esse vazio aqui?
no peito eu sinto bem direitinho... essa solidão
ela nunca esteve tão nítida assim...
e noto bem que ela não está como uma visita
não é uma estranha nem gente nova
como quem é de fora e que chega agora
mas a sinto como velha conhecida
como uma amiga de infância
como se estivesse sempre aqui...
minha perpétua inquilina
uma invasora que me enche com um enorme buraco
e me mata de fome de contato
mas parece que todo mundo teme se aproximar
e acabo eu no cantinho, encolhido, fechado
quando eu era criança eu, só, pensava: me olhem!
eu só quero que me vejam
eu não sou desses que gosta de aparecer
mas não suporto passar despercebido
quando eu cresci eu, só, dizia: me escutem!
eu só quero que me ouçam
eu não sou desses que faz questão de dar a última palavra
mas não aguento entrar mudo e sair calado
do sabor doce da tristeza eu já enjoei
pelo menos então me tragam agora
o amargo seco da decepção
já até prefiro estar mal acompanhado
do que assim tão bem acompanhado
por esta amiga velha, a solidão
solidão é esta sala vazia
muito fria e sem um pingo de umidade
onde minha própria voz ecoa
sem nenhuma humanidade
onde me vejo nu já azul de gelo
os pés e mãos pretos
prestes a necrosar
e com uma sede voraz na boca, já toda rachada
a língua áspera, seca e pegada
tão travada que mal dá para abrir a boca
pra implorar por ao menos meio copo d'água
sala escura, vento gelado
e num esforço, por um milagre, grito
mas a voz não sai
me mexo mas o corpo não se move
ouço a todos e ninguém me escuta
vejo a todos e ninguém me enxerga
e nada tem cheiro de nada
parece que o inquilino sou eu na casa dela
de teto baixo, um claustro apertado
e de paredes pintadas com meu próprio sangue
num contrato vitalício assinado com as minhas lágrimas
quando eu só queria um amigo
para expulsar essa minha perpétua inquilina
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