25 abril 2022

Aqui jaz minha paciência

I

aqui jaz minha paciência
ela morreu
na mesa de jantar
não quero mais tua tristeza
então já chega
sou eu quem vou falar
 
porque eu só quero silêncio
só que tua voz eu só ouço
mesmo só
martelando enchendo
o buraco do meu ouvido
num murmúrio
não para
essa porra não para
de reclamar de tudo
 
minha caixa cheia
do teu som vazio
eu disse para agora
e repara nessa
olha essa toda tua
essa insegurança
isso é um puta de um
absurdo
 
você não tem rumo
é uma folha no vento
vontade à deriva
frágil navio
no mais completo escuro
ao sabor dos lamentos
 
II

acontece que
já não tenho mais idade pra te aguentar
e não tenho nem um pingo de saudade
aliás eu tenho
é do silêncio quando tu se esvai
já vai tarde
 
não cala a boca um minuto
mente turbilhão sem prumo
um coração muito obtuso
preocupações a bombear
inunda minha casa
me puxa pelos cantos e me afunda
não consigo respirar em paz

III

aqui jaz
minha paciência
ela morreu
na mesa de jantar
não quero mais tua tristeza
então já chega
sou eu quem vou falar
 
tudo o que eu sofri e o que me foi negado
tudo o que eu vivi e o que me foi calado
tudo o que aguentei e os sapos que engoli
tudo o que eu tive que descobrir...
sozinho
mesmo ao lado de tantos
 
toda a alienação que tu me deu
toda a repetição da tua arrogância
todos os atrasos que eu suportei
todos os prejuízos da tua ganância
todas tuas decisões
mal tomadas
todas as tuas despesas
que eu amarguei
sozinho
mesmo no meio de todos
 
aqui jaz
minha paciência
ela morreu
na mesa de jantar
não quero mais tua tristeza
então já chega
sou eu quem vou falar
 
IV

sai
sai de perto agora
se não quiser
se machucar
melhor manter
a distância
se não quiser
se machucar
vai bem pra longe
tranque bem a porta
se não quiser
se machucar
porque
morreu há muito tempo
aquele menininho
que você quase matou
de tanto dar porrada
 
agora segura
no colo vai a merda
que por nove meses tu gestou
e por nove anos não se cansou
de maltratar
 
e de tanto engolir tuas ameaças
morreu engasgado o nenenzinho
e nisso você chorou de medo
com o que iriam pensar de você

V

aqui jaz
minha paciência
ela morreu
na mesa de jantar
não quero mais tua tristeza
então já chega
sou eu quem vou falar
 
eu te olho nos olhos e vejo
somos efeitos do mesmo mal
os dois mortos por dentro
feitos do mesmo mineral
 
não tenho mais medo de ti
porque eu consigo ser
muito pior do que você
hoje tu me faz é rir
 
tuas merdas minhas merdas
tudo eu mando se fuder
não se assuste e não se engane
porque
da minha paciência
eu já fiz o funeral


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